quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Toc.

Toc, toc.
Batiam à porta e eu não sabia se aquilo era uma alucinação ou se era real. O que de fato é a realidade? O que significa tudo o que vemos?
Toc, toc.
Um pato preto anda pela sala revirada. Desde a revelação da tua falsidade eu deixei de acreditar, inclusive, em mim mesma. Semanas chorando e pasma com tremenda falta de caráter – falta o meu, falta o teu. Falta o amor dentro do ego que eu alimentei e cri ser diáfano.
Toc, toc.
“Mas que bateção é essa?” Pensam meus frívolos miolos, que buscam entretenimento em redes sociais. Sempre em vão. O tédio é dono por lá, e rebate em tudo o que se diz – inclusive no que eu reproduzo.
“Este é um conto que trata de como uma pessoa pode viver em sã consciência e em paz consigo mesma.”
Apago o que escrevi, isso não é possível na vida real. Todos apelam para algo que possa efetivamente – ou rapidamente – fazer isso por elas, não esperam pelo próprio sistema nervoso. Nervoso. Nervoso é o verdadeiro sentimento existente e enraizado em nós.
Toc, toc.
Arre, de novo! Eu já estava ciente de que era uma alucinação. Até quando esse barulho infernal vai continuar?!
Toc, toc, toc, toc, toc, toc.
Acelerado. Vai me levar à loucura. Toc. Penso. Toc. Existo. Toc. Logo. Toc. Morro.
“Tudo certo com você?” “Sim, fora essas batidas que eu não faço ideia se elas começaram em algum domínio físico ou inconsciente” “Certamente inconsciente. Não ouço nada por aqui” “Você mora no andar de cima, querido, provavelmente você esteja fazendo esse barulho sem perceber”
Sem mais intimidades com vizinhos, apesar de ele ser bem bonitinho.
Toc. Toc. Toc.
Decido levantar minhas preguiçosas nádegas e ir até o olho mágico conferir se há alguém à porta, já que o barulho não vem da janela ou da cozinha. Os pés e as pernas nuas, a camiseta velha, e o cabelo desgrenhado, não esperavam ter visto aquilo acontecer – tão indiretamente – do lado de fora.

Só eu sei o que eu vi naquela tarde cinza.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Amor ficcional

Cometemos cerca de 127 equívocos ao pensar que amamos alguém. A tão esperada frase, por vezes, fica entrelinhada por gestos e olhares que, num mínimo ponto de ação, cruzam-se e nada mais precisam falar. 10 desses 127 são equívocos sentimentais. Outros, ah, são média para fechar pesquisa. Quando meu rosto encontra os pêlos do teu peito, penso que é amor. Porém, antes de equivocar-me, olho e penso que é apenas minha boca aberta, babando, e dizendo: “nossa, que foda incrível! Posso ir para casa tomar um banho?” e nada mais. Eu espero o momento certo para dizer que te amo, e o momento simplesmente não vem. Ah, mas que surpresa! Todos os momentos são meras ilusões da vida. Penso em mais pêlos de peito do que equívocos cometidos em todo o sentimentalismo que envolve-me. De fato, seios robustos são mais verdadeiros do que pêlos. Todavia mais belos. A sensação de rolar no chão é um equívoco cometido brutalmente por todos os seres humanos. Nem todos gostam de sair rolando, porém os que gostam, ah, esses enquadram-se nas expectativas – e nos equívocos. A sensação de amor selvagem é recorrente em paixonites diárias. Gozar na janela, com um berro ensurdecedor ecoando madrugada adentro na cidade é lindo. Mas não significa que, em algum momento, eu amei você. São todos equívocos. Em minha mente, mais de 127. E 127 não é múltiplo de 3. Três: número de palavras suficientes para preencher a frase tão quista. Eu nunca jurei amor a quem acreditou na primazia do número três. Três não é suficiente para equilibrar amor, apenas para malabarizar. E malabarizo a vida, porque nesta certamente me equivoco muito mais do que nos amores. Certamente são mais de 127 vezes em que penso “te amo” ou que penso em viver mais e melhor, sem a perspectiva de realmente viver – ou de sair por aí amando.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Escrivaninhas e escravaturas

Às 22:17 sentava-me à escrivaninha. Escrevia, escrevia, escrevia: um bando de palavras vazias. Eu era escravo de mim mesmo e não sabia.
Modas rodeavam minha cabeça, eu cantarolava, por vezes estremecia... A rua, vista da janela, estava vazia. Há quem diga que, há cinco minutos, muita gente havia naquele boteco em que todos os boêmios esqueciam. Mas esqueciam de quê? Será que realmente há o que lembrar?
Eu lembrava, lembrava, lembrava até do que eu não sabia. A mulher que não tive, os filhos que não nasceram, os sobrinhos que moravam perto e não lembravam de dizer bom-dia. As flores que eu não trazia, o veneno para ratos que eu mesmo comia: a pura nostalgia. Dezessete anos sozinho e, daqui para a frente, nada mudaria. Eu era escravo de mim mesmo e não sabia.
Vovó sempre dissera a mim as coisas mais bonitas... Enumerava-as como uma lista, uma lista de truques para a vida. Eu nunca as anotei, pobre de mim, mal sabia que um dia eu as precisaria. Deixou-me, além da memória, laranjeiras, pomares e parreiras. Um dia hei de viver sob elas, sob a lua, espiando da rua a janela, com minhas duas sobrinhas fazendo graça pela casa e imitando o barulho do vento (elas imitavam mui bem feito).
Assoviei uma moda, sorri, segui sentado à escrivaninha. Às 23:47 eu ainda era escravo de mim mesmo e jamais o porquê eu saberia.
Eu esquecia, esquecia, esquecia tudo o que eu sabia. A mulher que tive, os filhos que nasceram, os sobrinhos que moravam longe e sempre lembravam de dizer bom-dia. As flores que eu trazia, o veneno para os ratos que tanto nojo eu tinha: a pura nostalgia. Dezessete anos sozinho e, daqui para a frente, tudo mudaria. A morte de minha memória era minha senhora e eu sofria.

O barulho estridente do vento congelava minha face. Fechei a janela, adormeci. Que vida vazia...

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Pecado.

O que é o pecado? Eu não sei, muito gostaria de entender o que é.
Se pecado é o prazer, pois bem, muito pequei. Dei tudo o que eu achava ser o meu melhor para ele. em troca, recebi tudo o que há de ruim por ter "essa fome de amor supersônica", como já dizia Nei Lisboa.
Se pecado é amar, pois bem, pequei. Quis dar a quem eu confiei primeiro nessa vida, em troca, recebi muitas pedras. Não sei se acredito em merecimento, ou desmerecimento, pois bem, não sei dizer o que exatamente mereci ou não.
Se é pecado viver, pois bem, pequei. E tenho pecado a cada dia que passa e que sinto que não vale a pena pecar desse jeito. Em troca, bem, recebi notícias tristes e pensei sobre o que era pecar e continuar pecando.
O que é pecado? Eu não sei, muito gostaria de entender o que é.
Se é pecado ser quem a gente é, pois bem, quero continuar pecando. E confesso que errei. E confesso que chorei. E confesso que comi muitos tomates e me saíram alergias.
Não sei o valor desse grande débito que a morte e a vida me cobram. Não sei ao menos com qual moeda se paga. Fica o medo (um pecado). Fica o arrependimento (um pecado). Ficam os pensamentos ruins (uns pecados). Não sei contar nada disso.
O que é pecado? Eu não sei, muito gostaria de entender o que é.
"A repetição não soa bem, mas pode soar eficaz" me dizia o Barthes. Quem sou eu para falar ou deixar de falar dessas coisas que me cercam?
Se isso é pecado? Ora, não sei. Muito gostaria de entender o que é.