domingo, 18 de setembro de 2016

A fila

Sentimentos assincrônicos. Leve taquicardia que leva ao rosto um rubor. Mãos incham e palpitam.
Sigo andando todas as milhas que devo percorrer neste maldito dia. Sento-me à sombra, na espreita, à espera de um homem que nunca vem. Não sei se um X ou um Y marcam essas ruas sem saída.
Observo a arquitetura da nesga, trincada em um terreno de vidro, emoções asfixiadas loucas para sair. Ele está vindo, faltam algumas horas.
Aguardo, aguardo, nunca vem. Cada segundo um dia inteiro, cada dia, uma semana inteira, cada semana... observo o sol batendo na rachadura, a nesga iluminada, estreito caminho de cor que ainda hei de percorrer – com as mãos inchadas, o peito apertado, as pupilas dilatadas.
Deito-me à grama, espero a semana passar. Largo pedaços de mim às plantas. O que esperar de um vestido branco jogado em um jardim de inverno? Nada. Nada mesmo.
Corro para todos os lados, o peito aperta a cada segundo, a vontade de tudo e de todos, a loucura exposta aos visitantes, as cores na rachadura. Nada faz sentido para quem não faz parte do clube de decepções, junção esta formada por um pequeno grupo de pessoas que se identificam pelas mãos inchadas em dias de calor.
Não há nada mais que eu possa fazer. Gostaria de tomar um café? Um chá? Leite morno com gotas de limão? Alice, prepare-se, neste mundo em que coelhos correm e gatos riem no escuro, os segundos duram dias, os dias duram semanas, e você voltará inteira, nenhum chapeleiro maluco há de roubar pedaços do teu cérebro.
Volto-me para a rua de chão batido, volto a observar a nesga, o terreno de vidro. Quanto tempo levará até que essa rachadura quebre de vez e este arco-íris volte a repousar nos braços do homem que hei de esperar?
Sentimentos assincrônicos. Leve taquicardia que leva ao rosto um rubor. Mãos incham e palpitam.
Delírios claustrofóbicos de calor me fazem soluçar. “Onde fica o banheiro deste lugar?” “No corredor, ali, a vinte quadras de distância” “Você pode me alcançar um copo d’água?” “Sim, claro, se estiver um pouco amarga é porque gostamos de enganar”.
Ah, quem dera todo ledo engano fosse assim distante. O rubor passa. As mãos estão menos inchadas. “Desculpe, a estrada é longa”. Travo os caminhos da conversa e lanço mão da espera. Cedo meu lugar ao idoso, faço-me ir embora.

Odeio filas em agências bancárias.