Tantas eram as maneiras de fazê-lo, mas Marina não sabia por
onde começar. Tinha medo, estava apreensiva. Procurou o grass que estava
escondido. Queria ouvir Pete Doherty cantar. Ligou para sua melhor amiga, 52
minutos a falar. Pensou na corda, pensou na faca, no estilete, na tesoura, na
pistola e no 8º andar.
Pessoas muito mais problemáticas andando pelas ruas e Marina
pensando em se matar.
Luzia, que era louca de verdade, gostava de viver. Para ela
cada dia era um dia diferente, o que a chateava era sempre o mesmo lugar.
Aqueles muros e paredes, os amigos incompreendidos, as visitas mensais da mãe –
e semanais da melhor amiga de escola – a chateavam profundamente.
Marina pensou melhor e saiu para caminhar. Bairro bom,
Moinhos de vento. Andou pela Goethe, 24 de outubro, Doutor Timóteo... decidiu
pegar o ônibus. Desceu na parada do hospital psiquiátrico. Deu umas voltas por
ali, achou um tanto quanto sinistro, quis voltar, mas não pode deixar de
reparar em uma menina loira, muito branca, de profundos olhos verde-mar.
Luzia tinha mais um dia comum, porém, de sua janela, via uma
moça chorosa, com muitas olheiras, pele amorenada, olhos cor de mel. Acenou com
sentimento de esperança.
Marina se concentrou nos olhos, que estavam longe, mas de
alguma maneira sorriam para ela.
Luzia entristeceu de a moça não retornar seu gesto. Saiu da
janela.
Marina saiu correndo até a parada, pegou o ônibus de volta.
Dessa vez foi até a Zona Sul. Andou pela orla do Guaíba, foi até a avenida
Praia de Belas. De lá, caminhou até o centro, cansou. Pegou o ônibus até sua
casa, sem esquecer os profundos olhos verde-mar.
“Luzia, querida, hora do chá”. Ela não esquecia da moça.
Marina lembrava toda noite daqueles olhos.
Uns olhos. Uns braços. Cabelos ao vento.
Luzia havia recebido a noticia de que logo sairia de lá.
Arrepios. Era o vento minuano.
Corre, Marina, não te atrasa! Mas te cuida, olha que o
ônibus pode te atropelar.
Olívia andava distraída ouvindo músicas em seu celular,
quando uma moça apressada passou correndo em sua frente, quase lhe derrubou.
Era na manhã de domingo que o médico assinaria sua alta. Só
mais uns dias e Luzia encontraria a liberdade.
“Olívia, tudo bem com você?” “Tudo mãe” “Tem certeza?” [...]
18h. Vamos, Marina, hora de sair do teu trabalho medíocre e
ir para casa.
Amanhã é domingo.
Na Visconde do Herval, Olívia e a família de Luzia a
esperavam sorridentes.
Luzia chegou e abraçou Olívia. Estava tão feliz por estar em
casa, perto das pessoas que ama.
Olívia estava tão bonita. Estava com os cabelos pretos em um
corte chanel. Vestido vermelho e um sapatinho azul royal , uma fita – do tom do
sapato – amarrada no cabelo. Se os pais ali não estivessem, a encheria de
beijos e carícias.
“Luzia, que tal irmos ao parcão após o almoço?” “Se meus
pais estiverem de acordo...” “Filha, você se sente segura para ir sozinha com
Olívia? Se quiseres, vamos todos juntos.” “Tudo bem mãe, mas se não for pedir
demais, será que podes nos buscar de carro ao anoitecer? Eu e Olívia vamos de
ônibus, a volta é que fica complicada”
Marina tinha o dia de folga e chamou Sophia, sua melhor
amiga, para passear no parcão.
Eu não tinha vontade alguma de largar a mão de Luzia.
Quantas saudades daquelas mãos delicadas, brancas, pequenas, castas... quantas
saudades da alegria que elas me proporcionavam. Queria beijá-las até enlouquecer,
queria fazê-las minhas. Luzia era minha, e ninguém nesse mundo me faz tão
feliz!
Parou para amarrar os sapatos e, quando levantou-se, viu os
olhos. Profundos. Verde-mar. Era ela. “Muito obrigada” E beijou-lhe o rosto.
“Você me salvou de uma grande tragédia”
Luzia reconheceu a morena entristecida e só soube lhe dizer
“você deveria ter acenado de volta”.
Partiram. Cada qual com sua amiga, seus problemas. Cada uma
para seu lado. “Tudo bem, meu amor?”
Olívia beijou Luzia como quem desse o último beijo da vida,
passou a mão dentre as madeixas loiras e embaraçadas da amiga e sentou-se em um
banco a chorar. Luzia se ajoelhou à sua frente: “calma querida, tudo vai
passar...”