Sou aquela menina de cabelo curto, roupa preta, sapatos
legais, escorada à parede. Pode me chamar de Nin. Está vendo todas essas
pessoas ao meu redor? Nenhuma até agora veio falar comigo. É a minha festa de
formatura da oitava série e eu não sei o que estou fazendo aqui, ninguém é meu
amigo ou sequer me cumprimenta.
Tenho 14 anos e moro com minha avó. Ela é gente boa, mas tem
que ter paciência. Sempre vamos à praia em fevereiro. E advinha: esse ano não
vamos. Não sei porquê, mas não vamos. Ficar em Porto Alegre é bom quando a
gente sabe o que fazer.
Fui encontrar uma amiga, a única que tenho, Paula o nome
dela. Ela mora em minha rua, e pra falar a verdade, nem sei como nos tornamos
amigas. Acho que ela é diferente das outras gurias, não sei.
Paula fala pra cacete, sempre com assuntinhos sobre amor. “Vocês
sofrem muito por amor pra quem viveu tão pouco”. Ela sempre fica emburrada
quando digo isso. Eu também vivi pouco, e é por isso que não sofro. Deixei de
ser criança semana passada e elas com essas bobagens. Ainda tem muita gente pra
conhecer.
Eu nunca gostei de ninguém. Meninos e meninas me desinteressavam
completamente. “E os namoradinhos?” “Matei todos, tia” – era sempre assim. Às
vezes eu procurava o problema em mim, mas percebi que o problema está no mundo.
Meu mundinho com filmes, música brega e cigarros escondidos da vovó era bem
mais interessante do que qualquer “namoradinho”.
Até que aquela menina escorada à parede viu alguém que não
era seu colega – e era tão estranho quanto ela mesma – estava ele do outro lado
do salão, também escorado à parede, cabelos pretos, terno, tênis, fumando e
olhando para todos com tédio.
- Vejo muito tédio em seus olhos.
- Ah, eu tinha que trazer minha irmã, aquela loirinha
dançando. Você também é irmã de alguém?
(A irmã dele era a mais vagabunda da turma)
- Não, não. Infelizmente, estou me formando também. E não
sei o que estou fazendo aqui. Tem um cigarro?
- Tenho. – ele me olhou por inteiro e me deu um cigarro –
Mas tu não te pareces como essas guriazinhas da idade da Gabriela.
- É um defeito de fábrica, eu acho.
- Talvez não. Elas são meio bobas, tu não me aparentas ser
boba.
- Prazer, Nin.
- Me chamo Gabriel. E acho difícil tocar alguma música legal
aqui, quer ir lá pra fora?
- É um favor que me fazes.
- Legal teus sapatos.
E assim, eu e o Gabriel fomos a noite inteira. Talvez a vida
inteira. Ninguém sabe. Pensando bem, seria ótimo ter alguém assim pra rir e
ouvir música brega.