sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Despertar

Fomos felizes sem reclamar
Da água gelada
Das ondas do mar

Fomos tristes sem dizer
Que te odeio
Sinto desprazer

Meu sonho acabou
Meu amor acordou
Nunca falou
Nunca reclamou

Eu joguei fora
Amor de outrora
Tentei revanche
Agora, desmanche...

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Agosto

Eu vou te deixar sem saída no esgoto
Cheirando azitromicina com aspirina
Overdose na esquina do desgosto
Quem me dera ter nascido em Agosto!

Há uma tampa no esgoto
Se você achar, sai de lá.
Mas tem uma coisa que você nunca saberá
Eu nasci mesmo em Agosto!

Sete shots de tequila não vão te matar
Mas ache a saída e descobrirá
Há um demônio que não perdôo
É um demônio de Agosto.

Sorrio para o sol que você não vê
Sete minutos para o amanhecer
Eles nunca chegarão
Nem em Agosto, nem no verão.

domingo, 13 de novembro de 2011

Janela do Imperial

Ela estava ali, na janela do oitavo andar.
Ela estava ali, ia se atirar.
Eu estava ali, pensando no amor.
Eu estava ali, não queria sentir dor.
Por favor, ó Deus, deixe-a viver.
Por favor, ó Deus, que outro venha a morrer.

Ela estava ali, um sapato jogou.
Ela estava ali, para o céu olhou.
Eu estava ali, prestes a rezar.
Eu estava ali, consciência a coçar.
Por favor, ó Deus, deixe-a morrer.
Por favor, ó Deus, que outro venha a viver.

Ela estava ali, seu corpo no chão.
Ela estava ali, com ela a multidão.
Eu estava ali, senti-me culpado.
Eu estava ali, psicológico abalado.
Por favor, ó Deus, leve-me com ela.
Por favor, ó Deus, não havia moça mais bela.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Ela como sempre quis.

Se esqueceu de apagar o cigarro, de apagar a luz, de apagar sua vida.
Se esqueceu de acender o cigarro, de acender a luz, de ascender às ideias.
Ela era iluminista.
Verdadeira revolucionária.
Ela era anti-cristo.
Viciada em outras drogas.
Se lembrou de comer a maçã envenenada, de apagar a luz e de escrever a carta.
Se lembrou de ser alguém, de sentir frio e de pegar o casaco.
Ela era bonita.
Verdadeira lolita.
Ela era fútil.
Paris Hilton pobre.
Lagarteou, cheirou, lambeu.
Deu, comeu, vendeu.
Apagou.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Perguntar não dói, Luzia.

- Conte-me então, Luzia. O que se passa em sua mente contrubada?
- Pois é, Doutor Albert... Eu estou sentido coisas estranhas... como... pressentimentos. É como se eu soubesse o que vai acontecer. Essas coisas nem sempre são boas, mas eu espero por elas, quero que elas aconteçam. Eu tenho sonhos. Todas as noites o mesmo sonho. Eu estou parada em uma rua deserta, sem casas ou qualquer sinal de vida. E aí uma menina de capa vermelha se aproxima de mim. Ela tira a capa e me beija. Então eu a olho bem nos olhos e ela desaparece, mas eu nunca sei quem ela é. Sempre acordo no mesmo horário, assustada...
Lágrimas. Ela estava realmente assustada. Luzia era uma das poucas pacientes que eu podia chamar de amiga. Ela tinha 14 anos e uma mente extremamente brilhante. Sabia de crimes melhor do que qualquer policial da Scotland Yard. Lia viciadamente os contos do Allan Poe. Era triste, solitária, porém uma mocinha muito bonita. Seu nome combinava muito com seu rosto, e eu gostava disso. Ruiva, naquele tom aberto de laranja, natural. Olhos castanhos, do mais intenso castanho que alguém já viu na vida. A pele era tão branca que parecia que ela estava doente. Profundas olheiras. Magreza anoréxica. Minha paciente favorita.
-...O Edgar está sempre me olhando quando acordo, após o sonho. Acho que ele quer me dizer alguma coisa... se gatos falassem, com certeza ele me contaria tudo o que pensa. O Edgar é meu melhor amigo, sabe. Acho que tu és o único ser humanos no meu pequeno mundinho. Hum, o senhor sabe que... aconteceu uma coisa engraçada... Eu estava andando lá pela zona norte, mais precisamente na Avenida Plínio Brasil Milano... vi um homem, parado, fumando. Isso me fez pensar muitas coisas.
- Que coisas?
- O que será que eles pensam enquanto fumam? O que será que eles querem quando sorriem? O que será que acontece se eu ligar no meio da transa que ele está tendo com outra? Será que os polos deles são positivo e negativo? Será que eles vêm de Marte mesmo? Será que ela gosta mesmo dele ou está só por interesse? E ele gosta mesmo dela? E eles gostam de enganar ou enganam involuntáriamente?
- Eles quem?
- Os homens. Eles são foram uma boa invenção, mas depois que o pecado entrou no mundo... malditas sejam as maçãs! "Fez o homem à sua imagem e semelhança..." Será que quando eu encontrar Deus ele estará parado, numa terça-feira à tarde, em frente aos correios da Avenida Plínio Brasil Milano, fumando um cigarro e olhando pro nada? Este foi o homem que eu vi. Esta é a imagem de homem que quero guardar. O meu ainda me satisfaz, mas será que um dia não mais o fará? Será que encontrei pessoa melhor? Será que a pessoa que eu quero encontrar depois dele vai ser melhor? Nada é melhor, não é? Acho que tudo é igual, só o jeito de acontecer é diferente. Nem você é melhor que eu, ou eu sou melhor que você. Não entendo os seres humanos. Não entendo os homens. Eles são homens-objeto ou realmente devem ser amados? Será que ser homem é dizer que tudo está "certo-certo-certo" e ter como verbos preferidos "entrar" e "sair"? É estuprar virgens? É transar com ninfetas? É pagar cem reais para se satisfazer? É pagar mais do que isso?

Não tive palavras para respondê-la. Aquelas indagações me pareciam complexas demais, logo eu, que sou psiquiatra e estudei mais de dez anos para estar onde estou. Isto me fez pensar se vale a pena estar aqui. Ser o que sou. Um psiquiatra, a vida inteira observando loucos, drogando-os, fazendo-os regredir mais e mais com aqueles medicamentos... Me viciando em remédios para bipolaridade, tendo casos com meninas de 20 anos. Não casei, não tenho filhos. Tenho 50 anos e uma alma pequena. Não vale a pena. Luzia me mostrou que não. Mas ela é só mais uma paciente. Não é não. Luzia era a minha estrela guia, ponta de inocência na malícia. Era a menina dos meus olhos... Luzia. Nunca vi cabelo mais laranja e natural. Nunca vi dentes e pele tão brancos. Nuncia ouvi tão suave voz. Eram 14 anos de vida. Não pensava em ter nada com ela, não, nunca pensei. Gostaria mesmo era de tê-la como filha, mas ela já tem mãe e pai, eles se gostam muito. O que ela não tem é amigos... amigos... também não os tenho, acho que me identifico com a garota. Mas ela gosta de gatos. Eu não os suporto. Acho que faria com eles o que foi feito no conto de Edgar Allan Poe. Matar é cruel, ainda mais o pobre bichinho, não teria coragem de fazê-lo. Sou seco mas não sou ruim. Ela foi embora. Luzia foi.
- Eu sou louca, não é mãe?
- Não filha! Você só está um pouco transtornada com esses problemas do colégio. Não se preocupe demais, o Dr. Albert sempre esteve com você, desde quando começaram aqueles sonhos. Ele estará até o fim, esteja segura disso. Pelo menos disso.
- Isso não muda os fatos. Sou louca. Eu vi no espelho. Vi, vi, vi, não gosto do que vejo. A cara da esquizofrenia. Mãe, será que por detrás dos olhos tem uma outra pessoa que me vê?
Indagar era o seu forte. Eu gostava de Luzia porque ela trazia as perguntas e me fazia enxergar que estas não precisavam de respostas. Bastava indagar e você já estaria livre delas. 50 anos de vida e eu não havia aprendido isso. Eu só havia aprendido que em dissertações deveríamos responder à todas as perguntas. Mas todas as perguntas não possuem respostas, este é o problema. Problema. É por isso que se referem assim aos cálculos matemáticos. A resposta é sempre inventada... quem disse que é assim e que é exato, perdeu o juízo. Pois é amigos, este é o preço que se paga. Perde-se o juízo, caem os sizos.
- Ele tem 30 anos. Parece ter 24. Acho que ele gosta de mim.
- E você gosta dele?
- Não.
- E por que está com ele?
- Ele sempre me dá fogo. Eu comecei a fumar porque eu vi ele fumando, e eu o achava muito legal. Era lindo, ele tinha todo um estilo pra acender o cigarro... e o isqueiro mais bonito do mundo. Queria saber como chegar nele, mas não sabia como... e foi o cigarro que me levou até ele.
Luzia se lembrava da cena e um sorriso apareceu no seu rosto. "Sou boba", ela disse. Descreveu tudo com muitos detalhes. Ela era um gênio em descrições e indagações. Eu adorava Luzia como se fosse uma filha. Já havia falado isso até para a mãe dela, ela apenas ria. Luzia sempre disse que tinha perguntas para tudo, menos para ela mesma.
- Eu acho que ele gostou do meu estilo, meio esquizofrênica. A ex-namorada dele era muito estranha, ganhava de mim! Acho que ela se matou, ou algo do gênero, lembro que ele estava muito triste por causa dela. Até hoje ele meio que se lamenta, sabe... É doloroso vê-lo assim, mas já vão três anos... Eu conheci ele uns meses depois do ocorrido, então acho que ele gosta de mim porque eu ajudei-o a voltar a ser quem era.
- Vocês se conheceram como?
- Bom, ele é professor de Geografia. Estava estagiando no meu colégio, chegou a me dar aulas. Eu sempre o achei bonito, conversava muito com ele. Eu sempre gostei de geografia e política, então era um bom pretexto para ter uma conversinha com o professor estagiário. Ele era lindo... ele é lindo. De uma beleza sobrehumana. E não sei como foi olhar pra mim. Eu sentia aquela coisa quando ele explicava a matéria, sempre dava um jeito de dar uma olhadinha pra mim e sorrir. Seus dentes eram lindos, meio amarelados do cigarro, alinhados com precisão. Gabriel... aqueles olhos verdes, o gosto que tem por Bob Dylan e o violão que sempre carrega quando vai ao gasômetro. Há três anos estamos juntos. E eu não gosto dele. Mas eu sempre soube que devíamos estar juntos.
- E como vocês começaram a namorar?
- Fui numa festa junina do meu colégio. Ele estava lá, na barraca de quentão, conversando com o professor de física e o professor de história. Os três estavam fumando e tomando quentão. Cheguei e pedi um quentão para ele. Ele sorriu e me deu um copo. Eu tirei um maço de cigarro do bolso e perguntei se ele tinha fogo. Ele tirou do bolso um isqueiro lindo, da Marylin Monroe, e acendeu o cigarro pra mim, me olhando fundo nos olhos. Os outros professores ficaram olhando, meio desconfiados, pois sabiam que isso não deveria acontecer... Mas ao mesmo tempo não estavam nem aí. Conversamos um pouco, tomamos quentão, aí eu fiquei um pouco mais, depois que todos tinham ido, ajudando os professores a arrumarem as coisas. Ele me ofereceu uma carona. Não fui pra casa, fomos para o bairro Bom Fim tomar umas cervejas. Ele me beijou, depois me levou pra casa. Bom, já dá pra saber que o burburinho entre os professores foi forte e que o Gabriel foi demitido. Mas logo ele conseguiu outro estágio e nós continuamos saindo. Ele era tudo pra mim, até que um dia eu fui na casa dele.
- Mas isto era pra ser bom, não é?
- Pois é... mas não foi. Vi fotos dele com uma outra guria, uns três quadros espalhados pela sala. Perguntei quem era, senti que ele tinha a voz triste e um olhar cheio de lágrimas ao falar dela. Ele disse que ela tinha muitos problemas e que morreu há pouco tempo. Ele comentou algo sobre alguma doença, mas não sei se é verdade... Ela era muito parecida comigo, acho que por isso chamei a atenção dele... mas não sei não, ele ainda gosta dela. Mesmo passados três anos.
- E você acha que este sentimento dele por ela atrapalha algo entre vocês?
- Não. Mas sinto que ele só está comigo porque eu tenho algo que a lembra...
Luzia sentia muito pela morte da ex-namorada de Gabriel, porém não havia nada que ela podia fazer... Eu sentia muito por Luzia, ela só queria ser uma pessoa melhor.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Marianne - Parte III

Sua mãe estava passando mal. Desmaiou.Marianne soltou minha mão e saiu correndo para a rua. Seu irmão percebeu que era ela, mas ficou para ajudar a mãe. No restaurante, a loucura era geral: todos se moviam para ajudar a mãe de Marianne. Eu não sabia o que fazer. Corri atrás dela.
- Marianne, venha aqui!
- Rachel, você não sabe que ela está fazendo de propósito? Acho que ela me viu! Está fazendo isso pra ver se vou lá e vejo como ela está! Quer que eu caia de joelhos para pedir desculpas! Você não conhece aquela mulher! Uma Covarde!
- Assim como você, não é? - Guilherme apareceu em frente à Marianne e ela gelou. - VOCÊ é a covarde aqui. Some sem dar notícias, não atende ao telefone. É com esse homem que você anda metida, então? Quanto tempo você vai durar usando drogas e transando com pessoas que você nunca viu na vida?
- Rachel, vamos embora. Chame o seu tio, por favor.
Saí correndo e deixei os dois lá, sozinhos. Eu não devia ter feito isso. A emergência já estava à caminho e o Tio Carlos disse que não sairia de lá sem que alguém viesse ajudar a senhora. Eu falei que era urgente, que Marianne precisava dele. Ele então pediu desculpas e foi correndo até o carro.
- O que aconteceu contigo, guriazinha?
- Bom, acho que vamos ter bastante tempo para falar sobre isso.
No carro, Marianne e meu tio foram falando sobre o ocorrido e como aquelas coincidências foram chocantes para nós. Porém ela explicou que não poderia mais ficar na casa do meu tio, e eu vi que ele sentia isso mais do que ninguém.
Chegando em casa, perguntei como ele se sentia. Não respondeu nada. Marianne chorava no meu quarto. Ela queria ficar. Eu também queria que ela ficasse. Era tão triste vê-la assim, e era mais triste ainda saber que talvez essa fosse a última vez que eu a veria.
- Rachel, me dê um abraço. Tu és a minha guriazinha, saiba sempre disso. Não fique assim, que nem eu. A tua mãe te ama e a gente sabe disso. Vai lá, fica com ela. Eu sei que ela não é mais vazia do que a minha mãe porque ninguém consegue ser. Não pare de fumar. Só pare de cheirar essas coisas aí e tá tudo tri. Prometo que venho te visitar, tu e o teu tio. Mas agora é hora de partir.
Nós nos abraçamos e foi tão bom. Foi como ter uma melhor amiga. Foi como me sentir amada por alguém que conheci ontem, literalmente. Foi como descobrir o bom da vida em alguns segundos. Ela foi para o quarto do tio Carlos e eu pude ouvir o que eles diziam.
- Obrigada Carlos, obrigada mesmo! É uma pena eu não poder ficar, mas é meu dever ir.
- Mas você não tem dinheiro e nem lugar para ficar! Por favor, fique...
- Não precisa se preocupar. Eu sempre me virei por aí e sempre me dei bem. A única vez que me dei mal, você me ajudou. Foi muito bom ter te encontrado.
E assim ela foi. Foi como chegou. Que nem uma ventania que mudou a minha vida e a vida do meu tio. Acho que somos melhores agora. Estou brigando menos com a minha mãe e ela convive melhor com as pessoas. Meu tio ficou triste por alguns dias, pensando em Marianne, mas acho que agora ele está melhor. Ele não gosta muito de falar nela...
- Oi tio!
- Olá Rachel! Que bom que você veio! Sua mãe vem também?
- Acho que não. Vamos?
- Vamos sim, que já é hora!
Apressados, saímos para comprar o meu presente de aniversário. Eu contava os segundos para que chegasse o dia doze do mês de agosto. Eu gostava muito de fazer aniversário, e meu tio disse que me faria uma boa surpresa.
Entramos em uma loja e logo reconheci a vendedora. Acho que meu presente não era algo material, e sim sentimental. Era Marianne que estava lá, mais bonita do que nunca, cabelos diferentes e um sorriso que nunca havia visto antes. Era bom vê-la assim, e era bom saber que poderia sempre contar com aquela garota-problema que gostava tanto de mim.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Marianne - Parte II

Carlos acordou e percebeu algo estranho... Já não era mais ele quem narrava esta história. Era eu. Marianne. E eu me sentia estranha, ou sei lá, talvez um pouco diferente por ter feito tudo o que fiz. Foi muito bom ter encontrado Carlos, mas... será que eu precisava ter transado com ele? Meu Deus, onde eu estava com a cabeça? Ele tem 46 anos e eu estou prestes a fazer 18. ele poderia ser meu pai, ou bem um tio, como ele é para Rachel. E nós poderíamos ter nos dado bem sem sentir atração um pelo outro. Será?
Me levantei cedo e dei de cara com Ana na cozinha.
- Você deve ser a menina que o Seu carlos me falou. Bom dia.
- Bom dia! Rachel está aí. Você sabe que horas ela acorda?
- Essa menina é uma desviada... acorda quando quer, come quando acha que é bom. Vive esperando um tal de Lucas que nunca telefona. Está sempre no mundo da lua.
- Hum... eu já fui como ela.
- Imagino. As mulheres que o Carlos traz pra cá não são muito diferentes. Todas mais parecem suas pacientes do que amantes. Até a irmã e a sobrinha são iguais. Acho que ele nasceu para isso.
Ana era uma mulata muito bonita. Cabelos longos e cacheados, presos a uma borrachinha de cabelo azul celeste. Ela me parecia um pouco arrogante, porém sua beleza era tanta que a arrogância era indiferente. Eu me sentia envergonhada perto dela, não sei porquê.
- Você está bem?
- Estou sim. Acho que vou dormir mais um pouco. Carlos te avisou que vou ficar aqui por algum tempo?
- Disse. E disse que não sabia o que fazer com você. Se achasse bom, era pra eu te dar umas palmadas.
- Está bem - disse eu, com uma risada divertida. - Se precisar de ajuda, me chame, por favor! Não quero encomodar.
Peguei o colchão que estava atrás do guarda-roupa de Carlos e botei ao lado da cama de Rachel. Demorei um pouco para voltar a dormir. Ouvi a voz de Carlos na sala, conversando com Ana. ela soltava umas risadinhas e ele dizia coisas que eu não conseguia entender. Senti um pouco de ciúmes ao pensar nela como amante daquele com que eu havia feito sexo na noite passada. Mas como eu sabia que ele não era nada além de um bom amigo, dormi. Acordei com o meu celular tocando.
- Alô?
- Minha filha! Que bom que te encontrei! Onde você está?
- Não interessa. Mas estou bem longe de casa.
- Por que você faz isso comigo? Você sabe que eu também sinto falta de seu pai e...
- Mãe, sei que você só me ligou porque sua amiga deve ter lhe dito algo que pesou na sua consciência e porque eu sei que este horário o Gui não está em casa. Por favor mãe, eu não queria magoá-la, mas você faz o favor de me ligar sabendo que não quero ouvi-la. Pela última vez: me deixe. Quando eu for uma profissional excelente e tirar fotos incríveis, me chame para fotografar o casamento do teu filho perfeito.
Desliguei o telefone sem ouvir a resposta que ela me daria. Se é que me daria alguma resposta. Minha mãe tinha a mente vazia, fazia tudo para agradar os outros, e eu não suportava isso. Queria que ela fosse mais compreensível, inteligente e menos submissa. Ó mamãe... quem me dera se você fosse diferente.
Rachel entrou no quarto e eu estava só de camiseta. Ela perguntou o que havia acontecido, eu falei que minha mãe havia me ligado. Ela me deu um abraço e se sentou na cama. Pegou na mochila um pequeno pacote e um tubo vazio de caneta esferográfica. Me convidou para entrar no mundo dela. Eu sempre soube que havia drogas no meio disso tudo.
Cheiramos umas 20g de pó, só para esquecermos os problemas que estavam ao nosso redor. Ela era uma guriazinha bonita, porém trilhava o mesmo caminho que eu. Não dava dois anos para ela estar na casa de um estranho que a ajudou pois sentiu pena da mocinha bonitinha e transar com ele depois de contar sua história triste. Eu não queria mais aquilo pra mim e, na minha viajem, eu era Greta Garbo.
Rachel compreendia o meu feeling e isso tudo era lindo. Eu sabia que ela também escondia o seu medo em um pacotinho dentro da mochila, sempre olhando em volta para ver se a polícia não vai pará-la e levá-la para a prisão.
- E esse Lucas, quem é?
- Um cara que eu transei em troca umas gramas de pó.
- Você entrou mais cedo do que eu nessa vida, guria. Sai dela enquanto dá tempo.
- Por que você não saiu ainda?
- Porque ainda não chegou a minha vez. Mas a sua está por vir. Nunca deixe esses traficantezinhos encostarem em ti. Fui dar uma de esperta e apanhei até ficar inconsciente. Foi aí que o seu tio me achou, jogada na rua. Sério Rachel, tu és linda, tem dinheiro e pode ficar com quem tu quiser. Tem um tio maravilhoso e não é todo mundo que tem a alma igual a dele. Você pode morrer se ninguém te ajudar. Escuta o que eu estou te falando... não deixe sua vez chegar.
Ela me olhou com olhos grandes de quem ainda estava muito chapada e sorriu. Cheirou outra carreirinha. Deitou no meu colo e disse "Obrigada, Marianne. Talvez esta seja a última vez que nós duas vamos nos drogar".
Fiquei atenta, observando ela se mexer loucamente na cama, efeito da droga. Fui até a cozinha e fiz um chá. Ela bebeu na maior fissura, como se aquilo fosse deixá-la pior. Rachel era incrivelmente engraçada e Ana percebeu o que estava acontecendo.
- Marianne, você também...?
- Não diga pro Carlos, por favor. Nunca mais farei isso. Não aqui na casa dele.
Ana me olhou desconfiada e ouvia Rachel rir com um quê de preocupação. Liguei o rádio e botei Bob Dylan pra tocar. Nós duas cantamos "Like a Rolling Stone" como se o mundo fosse acabar naquele instante. Eu era mais sóbria e mais resistente do que ela. Era capaz de Carlos chegar e perceber que havíamos feito besteira.
- Olá meninas! Dá pra ouvir lá de baixo o som de Bob Dylan.
- Oi tio Carlos!!! - Rachel estava eufórica e deu um abraçado no tio. - Achei que você fosse demorar mais um tempinho.
- Saí mais cedo hoje. Estava pensando em levá-las para jantar. Você gosta de comida mexicana, Marianne?
- Gosto sim Carlos. Obrigada por tudo!
- Não precisa agradecer. Depois temos que conversar.
- Acho melhor não, Carlos. Deixe tudo como está, assim nós podemos ter nossa mente tranquila e sem receios.
Carlos me olhou pensativo e sorriu para Rachel. Ele foi tomar um banho e depois foi se arrumar. Lá pelas 20h, estavámos saindo.
Ele estava charmoso como nunca. Colocou uma calça jeans, uma camiseta social e um paletó de risca de giz. Rachel estava de vestido, preto, uma jaqueta de couro e tênis all star. Eu me sentia envergonhada por não ter roupas que prestassem, porém rachel me emprestou uma blusa, um tanto quanto decotada para meninas da idade dela e vesti uma calça jeans, normal. Se Carlos estivesse narrando, essa parte estaria de fora. Homens não se importam muito com o quê você está vestindo.
Chegando ao restaurante, tive uma surpresa muito, mas muito intrigante. Meu irmão sempre disse que tinha uma namorada e que tinha planos de casar-se com ela. Nunca imaginei que esta namorada fosse Ana. E eles estavam lá, com minha mãe e mais uma senhora que deveria ser a mãe dela. Carlos não hesitou em ir cumprimentá-la.
- Ana, que prazer em vê-la aqui!
- Oi Carlos! Não imaginava que vocês estariam vindo para o mesmo restaurante que eu! Este aqui é o meu namorado Guilherme, a mãe dele e a minha mãe. Gui, este é o meu chefe, o Seu Carlos!
- Tudo bom? Ana sempre fala muito bem de você.
- Tudo ótimo. Por que não nos juntamos? Vocês vão adorar saber a minha história! Marianne, Rachel, venham até aqui.
Olhei para Rachel e ela não entendeu. Queria dizer que não queria ir, mas não podia pensar em abrir minha boca, minha mãe reconheceria minha voz na hora. Corri para o banheiro. Rachel veio atrás de mim.
- O que foi? Por que você está assim?
- Lembra que te falei da minha mãe e do meu irmão mais velho?
- Sim, mas o que tem?
- O namorado da Ana é o meu irmão.
- Guriaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!! Não acredito! E agora? Neste instante o meu tio deve estar contando que você é moça que ele ajudou e blá blá blá. Na certa eles vão saber que é você!
- Pois é... o jeito é encarar a situação e minha mãe descobrir tudo.
Criei coragem, peguei na mão de Rachel, olhei fundo nos olhos dela e saímos do banheiro. No que eu estava chegando na mesa, algo aconteceu...

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Marianne - Parte I

Nunca havia visto coisa tão estranha. 46 anos de vida e eu nunca havia visto moça tão acabada. Era linda, olhos cor de mel, pele branca e alva, cabelos castanhos, emaranhados. Porém parecia ter levado uma surra, ou algo parecido. Estava jogada no chão, desacordada, sangue ao redor dos lábios e alguns hematomas em seus braços e rosto. Mesmo assim, continuo a dizer que ela era linda.
Carregava uma mochila e estava bem vestida. Só o seu rosto denunciava algo de errado. Estava muito machucada. Tomei coragem e me aproximei, para ver se ela estava viva. Não se mexeu, mas senti sua respiração, fraca. Peguei-a nos braços e levei-a até o hospital mais próximo.
- Bom dia. Encontrei essa moça aqui perto, ela está desacordada e muito machucada.
- Certo. Qual o nome dela?
- Não faço a menor ideia. Talvez tenha algum documento aqui, para que possamos fazer a ficha dela. - preocupado e com rapidez, procurei em sua mochila algo que a identificasse. - Aqui está, senhora.
A atendente do Hospital de Pronto Socorro fez a ficha da moça e chamou os enfermeiros. Auxiliei-os e ela foi levada até o leito emergencial. Aproveitei meu dia de folga para passar ao lado daquela moça, que era tão bela e eu não fazia a menor ideia de quem ela seria. Algumas horas se passaram até que ela acordasse. Eu estava lá, olhando para ela com um olhar curioso.
- Quem é o senhor? Onde eu estou?
- Olá. Encontrei você na rua, estava muito machucada. Você está no Pronto Socorro e, não se preocupe, para o que precisar, estarei aqui.
- Obrigada, mas eu não sei o seu nome. Como posso confiar no senhor?
- Eu também não sabia o seu, mas tenho certeza que não posso confiar em você. É por isso que estou lhe ajudando.
Ela sorriu e chamou a enfermeira. Teve uma refeição e, após algumas horas, foi liberada. Mas isso já era tarde da noite. Acompanhei-a até a Lancheria do Parque e ofereci um sanduíche. Ela aceitou. Começamos um diálogo desconfiado, até que o mesmo virou uma boa conversa entre velhos amigos.
- Meu nome é Marianne. Que nem a Marianne Faithfull, sabe? Meu pai adorava ela.
- Nossa, eu adoro ela também. Linda e com uma bela voz. Meu nome é Carlos. Que nem... eu mesmo. Na verdade nem sei porquê, mas é isso. Me chamo Carlos.
- Carlos... interessante. Por que tu me ajudaste? Ninguém hoje em dia liga muito para jovens jogadas no chão.
- Pois é, o problema é que te achei muito bonita e precisava fazer algo. Não tinha a menor ideia de quem você era e nem como ajudá-la. Minha preocupação maior era saber se você estava viva. Um desperdí­cio deixar uma moça tão bela morrer.
- Então você tinha segundas intenções comigo, não é? Sabia! sabia que você não era diferente. Me salvou para ter um simples momento de gozo, não é?
- Talvez. Mas agora não penso nisso. Você me parece muito nova.
- Ahhh, pois saiba que eu tenho 17 anos. Devo parecer muito mais velha, estou acabada. Faço 18 semana que vem.
- Meus parabéns, se eu não voltar a vê-la. Tenho 46 anos. Sou escritor.
- Meu sonho é ser fotógrafa. Minha mãe não suporta isso. O sonho dela é me ver com um jaleco branco... atendendo em hospitais, é claro, nunca revelando fotos. É por isso que fugi de casa. Nós estávamos sempre brigando, principalmente após a morte do meu pai. Ele morreu mês passado. Ela ficou muito triste e sempre me pressionando, pois acabei a escola ano passado e não faço vestibular porque ela não quer financiar o que EU quero, e sim o que ELA quer para mim. É triste, sabe, meu pai sempre me apoiava em tudo o que eu fazia e tava sendo bem difí­cil morar apenas com ela.
- Então você está fugindo... Acho melhor devolvê-la.
- Não! Se você quer me ajudar, jamais pense nisso! Ela não me ama como filha, faz questão de dizer que sou um desgosto, só porque sou drogada e bêbada.
- Sabia que havia drogas no meio dessa história. Você estava drogada quando te encontrei?
- Não, acho que estava em coma alcoolico. Bebi demais e não comia há 3 dias. Ainda fui até a casa de um ex-namorado meu, que não é boa gente. Ele me bateu. Não importa porquê. Mas foi isso mesmo, estou numa pior. Procuro por um emprego e um lugar para morar.
- Acho que nesse caso posso te ajudar. Moro sozinho em um apartamento grande, ali na 24 de Outubro. Você pode ficar lá por alguns dias, até que tome jeito em sua vida. E posso te arranjar um emprego onde eu trabalho, como secretária ou algo do genêro, pode ser?
- Pode sim! Nossa, muito obrigada!!!
- Antes que eu me esqueça, tome sua mochila. Todas suas coisas estão aí­. Agora vamos para casa, amanhã eu trabalho.
Foi de boa vontade que ela veio para minha casa. Fomos caminhando até lá, afinal, não era muito longe. Mas foi uma boa caminhada, e nós conversamos bastante.
- Chegamos.
- É aqui que você mora??? Nossa, que lugar incrível!!!
- É, dá pro gasto. Tem uma moça, minha empregada, ela vem aqui todas as terças, quartas e quintas-feiras. Só para vocês não se estranharem já vou avisando.
- Está certo... se quiser dispensá-la, tudo bem! Posso fazer o serviço de casa para você, já que está me ajudando. Não me importo!
- Não precisa! Até que se recupere desses cortes no rosto, quero que a Ana te ajude e te mime bastante.
- Hahaha, você é quem manda, Carlos. Estou bem. Nem precisava se preocupar tanto!
- Que nada mocinha. Venha, vou te levar até seu quarto.
Meu apartamento tinha três quartos. O meu, que era o maior, o que eu fazia de escritório, onde ninguém entrava e o menor, que era o de hóspedes, onde Marianne ficaria. Era ajeitadinho (às vezes minha sobrinha dormia por lá e Ana fazia questão de arrumá-lo). Muito aconchegante, tinha uma vista linda para o céu. Eu sabia que ela adoraria ficar naquele quarto pequeno.
- É um pouco pequeno, mas...
- Muito Obrigada, Carlos. Obrigada mesmo! - ela me interrompeu. - É lindo! Acho que vou pensar duas vezes antes de arranjar um lugar para eu ficar, haha!
- Pois bem, fique o tempo que achar necessário. Ah, tenho uma sobrinha que é uns dois anos mais nova que você, às vezes ela vem passar uns dias aqui. Ela costuma dormir neste quarto, se caso ela aparecer, divida-o com ela. Acho que vocês vão se dar bem. Ela também gosta de fugir da mãe e vir pra cá, ver o céu através dessa janela que parece ser maior que o próprio quarto.
- Tudo bem, se tu dizes... espero não atrapalhar.
Ofereci à ela uma toalha e disse que ela poderia tomar banho, se quisesse. Ela foi, e eu fiquei ouvindo sua voz, fina e desafinada, cantando uma música dos Stones. Era a minha favorita deles. Por alguns segundos imaginei-me com ela, possuindo-a, enquanto a ouvia cantar. Senti nojo e voltei à realidade. Entrei em meu escritório e lá eu comecei a escrever uma crônica sobre ajudar as pessoas, contando também o fato que me havia ocorrido. Espero que ela seja publicada em breve.
Ela saiu do banho e me chamou. Fui até a sala e a vi, seminua. Estava linda como nunca, a luz branca do poste na rua iluminava a janela, mostrando sua pele que era mais branca ainda e, sim, eu podia ver a silhueta perfeita daquela jovem, seus traços, ainda de menina, e seu jeito sedutor de mulher.
Ao me ver, ela se cobriu com a toalha, murmurei desculpas e perguntei o que ela queria.
- Bom, eu... gostaria de saber se você tem um pouco de mel por aqui.
- Tenho, ali no armário da cozinha.
- Ah, obrigada. Eu gosto de comer mel antes de dormir.
Ela sorriu, sem graça, seus olhos procuravam uma saída para algum lugar. Ofereci à ela um cigarro, ela aceitou. Nos sentamos ao sofá, ela comendo mel e eu tomando um café extremamente forte. Fumávamos. Já passava das 3.
- É lindo isso aqui. Você é muito gentil, mas ainda não confio em ti.
- Eu também não confio. Você pode ser uma biscate que tem um namorado psicopata e pode me matar e roubar a casa inteira.
Ela deu algumas gargalhadas e descontraiu aquele ambiente de desconfiança e cinzas do bom e velho Camel. Peguei em sua mão. Ela se assustou e olhou bem nos meus olhos. Pude ver que seus olhos, sob a luz branca, tinham um brilho acinzentado. Ficou séria e me olhava como quem dizia "não, Carlos, isso é invenção de sua mente de escritor". É, ela estava certa. Apaguei o cigarro, me levantei. Murmurei boa noite e ela ficou estática no sofá.
Fui para meu quarto e a última coisa que fiz foi dormir. Pansava constantemente naquela moça que simplesmente havia me conquistado. Pensava em mim como um criminoso, abrigando uma menor de idade que está fugindo da mãe e largada no mundo das drogas. Ela tinha cocaína na mochila e eu, como bom crimonoso que sou, não joguei fora. Por outro lado, pensava em mim como um homem disposto a ajudar o próximo e que não havia problema, já que ela estava prestes a fazer 18 anos e saía de casa por causa de desavenças com a mãe. Foi uma noite contestadora.
Me acordei às 11 da manhã, como de costume, porém algo estava diferente. Não era terça, nem quarta, nem quinta-feira e mesa do café da manhã estava posta. Estranhei, porém minha mente se lembrava que uma moça belíssima estava em minha casa. Marianne havia preparado torradas e um café preto BEM forte. Me recebeu com um largo sorriso e um bom dia espetacular.
- Já vai trabalhar?
- Sim. Falarei de você para eles lá. Está mesmo disposta a trabalhar?
- Estou sim. Não importa a burocracia. Preciso de dinheiro.
- Sabe que estou aqui para te bancar, não é?
- Hahaha, mas não vai querer compras drogas pra mim, não é? Não vai querer me levar à festas? Não vai querer pagar todo álcool que consumo, não é mesmo?
- De fato. A não ser que você queira dividir esse seu vício comigo.
- Eu não quero que uma pessoa com um bom emprego e uma boa conduta seja prejudicada por uma drogada que não se conforma com a morte do pai e foge de casa para não ver a mãe.
- Sua mãe deve estar preocupada. Você é filha única?
- Dela não. Eu tenho um irmão mais velho. Ele faz a cabeça da minha mãe e diz que eu não presto, eu isso e eu aquilo. Ela pode até se preocupar, mas certamente meu irmão está lá, dizendo coisas que, em parte, são verdade.
- Hum. E você? Como se sente sobre isso?
- Neutra. Nunca fui muito apegada à minha mãe, pelo fato de ela gostar demais do meu irmão, que é todo certinho, o senhor boas notas, exemplo do colégio e etc. Queria aprender a gostar dela, mas não consigo. Meu pai é quem era a minha paixão. Antes dele, o meu avô. Mas ah, todos se foram antes que eu pudesse dizer algo que me beneficiasse.
- Marianne, eu tenho que sair. Tenha um bom dia. Se o telefone tocar, anote todos os recados.
- Ok senhor escritor! =D Bom trabalho!
E ela ficou lá. Lendo, ouvindo música, fumando, escrevendo, anotando meus recados. Era como se um anjo tivesse caído nos meus braços. Um anjo não tão puro, mas belo e significante.
- Alô?
- Sim, quem fala?
- Ahhh... é da casa do Tio Carlos?
- Sim, sim, aqui é a Marianne! Você deve ser a sobrinha dele, não é?
- É... e você, quem é? Empregada nova?
- Hmmm, não. Pelo visto seu tio tem um apreço muito grande por essa tal de Ana. Eu sou alguém que ele ajudou e... é uma longa história.
- Ah tá. Eu só queria saber se eu posso passar umas semaninhas aí.
- Acho que pode. Se quiser vir pra cá agora, pode vir.
- Ok então. Obrigada.
- De nadaaa! Um beijo.
Alguns minutos depois, Rachel chegou em minha casa. Marianne abriu a porta e recebeu-a muito bem, com alguns chocolates e um chá que ela havia preparado. Ela era muito prestativa.
- Então você é a Rachel... muito prazer!
- Você deve ser a Marianne. Mas me conte, você é namorada do meu tio?
- Na verdade não. Seu tio é uma pessoa muito boa e ele me ajudou muito no sábado. É uma looooonga história, talvez ele escreva algo sobre isso, haha.
- Ah, é bem provável. Ele é um gênio, o meu tio. Se eu disser que rosas são azuis, ele já escreve um puta texto, quem sabe até um livro!
- É mesmo? Bom, eu não tenho nem como imaginar, eu mal conheço ele. Mas percebi que ele é uma ótima pessoa.
- Sim, e como é. Ele é formado em Letras e em Psicologia. Ele gosta de me ajudar com os problemas que tenho com a minha mãe, a irmã dele. Ele a conhece desde que nasceu, então pode me dar dicas de como sobreviver à ela. Se não fosse por ele, acho que eu já estaria vagando por aí na rua, brincando de ser mendiga.
- Pois bem... foi meio nesse contexto que seu tio me ajudou. Eu estava na rua, jogada no chão, inconsciente e ferida. Eu só estou aqui na casa dele porque não tenho pra onde ir. Na verdade tenho a casa da minha mãe, mas lá é o último lugar pra onde quero ir.
- Estamos no mesmo barco então?
- Certo que sim. Mas acho que o seu problema tem cura. Você é filha única?
- Sou sim. É meio chato isso, sinto que nunca vou poder abandoná-la, mesmo brigando muito com ela.
- É, deve ser bem chato. E seu pai?
- Não conheço ele. Na verdade conheço, mas não me lembro. Minha mãe se separou dele quando eu tinha 4 anos e, desde então, ele nunca mais me procurou. Ela se casou com um chato quando eu tinha 8 anos e, ah, ela se tornou mais chata ainda ao lado dele.
- Compreendo. No meu caso, eu era muito amiga do meu pai, mas ele morreu. E o chato da história é o meu irmão mais velho.
- Nossa... você parece mais triste do que eu.
- Hahaha, vejamos... nada é tão triste como parece. Encontrei seu tio. Talvez esse seja o destino dele. Viver com meninas que sofrem com a perda de um pai e sofrem mais ainda com a presença de uma mãe que quer o bem delas, mas de uma maneira que elas não conseguem entender.
Cheguei em casa e vi as duas conversando demais. Tive medo de Marianne corromper minha sobrinha, sabe, psicológicamente falando, porém vi que elas estavam entretidas uma com a outra, contando suas experiências de vida. Elas dividiram o quarto e riram bastante, viram em cada uma uma nova amiga, talvez a amiga que sempre quiseram ter e a vida nunca havia lhes dado. Elas se entenderam e se completaram.
Logo que Rachel foi dormir, Marianne saiu do quarto (para comer seu mel e fumar o último cigarro antes de dormir). Ela se deparou comigo, sentado na janela, revisando um artigo que havia escrito e fumando. Sentou-se ao meu lado.
- Tudo bom?
- Tudo sim.
- Sua sobrinha é um amor. Ela tem 15 anos. Somos muito parecidas.
- Eu sabia que vocês se entenderiam. Amanhã Ana vem.
- Pois é. Que horas ela chega?
- Lá pelas 9. Pode acordar mais tarde dessa vez.
- Obrigada. Falou de mim para seus superiores? haha
- Falei sim. Eles disseram que você precisa me mandar seu currículum e depois a chamarão. Pode me fazer este favor?
- Claro que sim!
- Pode usar o computador do meu escritório. A impressora é a laser e a impressão fica melhor.
- Ok. Ah, vou dormir. Boa noite.
- Boa noite.
Fiquei mais um tempo lendo meu artigo e olhando para as estrelas. Quando entrei no quarto, tinha uma surpresa.
- Marianne?
- Err... Oi Carlos. Desculpa entrar aqui no seu quarto, é que a Rachel está dormindo na minha cama e...
- Não precisa me dar desculpas. O colchão está atrás do meu guarda-roupa.
- Bem, não era bem isso o que eu queria...
Ela se aproximou de mim e me beijou com tal brutalidade que cambaleei. Eu tentava me afastar mas ela se aproximava cada vez mais. Eu tentava me explicar mas minhas palavras eram vãs. Marianne estava em chamas e, por mais que eu fingisse que não queria, eu tive que confessar: ela era o meu maior desejo nesses últimos dias. Não podia resistir.
Tirei sua roupa e vi novamente suas curvas. Tirei minha roupa e via um velho pervertido (em boa forma, podemos dizer) transando com uma moça que ele estava tentando ajudar. Marianne era linda. Tinha seios pequenos e deliciosos, seu corpo magro que, ao apertar contra meu corpo, mostrava de leve suas costelas. Seu sexo era excitante e eu queria ela para sempre. Há anos eu não me sentia como estava me sentido ao transar com ela. Era como se eu tivesse novamente 20 anos. Era como se eu quisesse gozar de minha juventude temporária apenas com ela. Era como se ela fosse a única mulher no mundo e eu me sentia feliz, inexplicavelmente feliz de tê-la comigo.

domingo, 3 de abril de 2011

Brincando de eu e ela.

Eu: 12 horas de sono, 4 de trabalho, 2 de sexo e 6 de filosofia.

Ela: 9 horas de sono, 10 de trabalho e 5 de estudo.

Ela queria saber como eu aproveito tanto tempo do meu dia apenas para filosofar, não sei, respondi. Que dinheiro eu recebia para tão pouco trabalhar? O suficiente para sustentar meu vício. Estou sempre dentro de casa, conta d’água sempre esqueço de pagar, e o DMAE, de cortar. Conta da luz necessito pagar, pois meus textos eu não mais escreveria. Você me conhece por nome ou de vista? Ela responde que me conhece de vista, mas também sabia meu nome. Ela a trabalhar e brincar de MSN, falando com desconhecidos à luz do dia, mal sabia o que queria, só sabia que eu estava nessa lista. Moça que não sei se é bonita, te espero às vésperas do dia 30, quero te conhecer, preciso saber quem tu és.

Nesse jogo de eu e ela, saberia então que era ela e não eu, tão vítima quanto qualquer outra. No meu exílio eu canto outras palavras, canto o quanto eu sinto saudade do que nunca tive. Ah, veja só, posso citar você em minha lista?

Esperei por ti até o 29, marcamos naquele barzinho que todos sabem, é aconchegante e podemos tomar um vinho, você sorrindo e eu por dentro a chorar: por que estás a me maltratar? Não vi seu rosto a me esperar.
Então sabia que se tratava de calúnia, uma bela moça me deixava a ver navios, uma rosa entrelaçada em meus dedos, e uma taça de vinho vazia, em pleno centro de Porto Alegre.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Se eu te der minha mão

Desconfiada andava
Sempre apressada
Os pés na calçada
E a cabeça no ar

Olheiras profundas
Por fora eu via
Por dentro ela sentia
O lilás verde da tua face esquecida

Se já anoitecia eu não sabia
Na janela sentava sozinha
Esperava sua estrela chegar
Talvez entrar para uma xícara de chá

Seus discos não mais ouvia
Saudades não tinha
Não lembro o caminho
Até sua adega de vinhos

O silêncio permaneceu
Até que eu fosse embora
Perdi noção de hora
Mas sei que ela gritaria por ajuda

Onde está o seu amor?
O ônibus não pegou
Será que ele fugiu?
O metrô ainda não partiu

Um copo de uísque e outro de gin
Essa vida já não serve mais pra mim
Me leve para casa, me perdi
Encontre minha amada por aí.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Ponto.

Renata observava a rua de sua sacada, em seus pensamentos, desejando que algo diferente acontecesse em suas monótonas férias, porém nada nem ninguém diferente aparecia.
Enquanto o sol iluminava seu apartamento e reluzia em sua pele extremamente branca, ela esquentava a água para fazer o café.
No que toca a campainha, uma xícara se parte ao meio, no susto do que acontece, Renata corre até a porta, ao atender...