domingo, 12 de fevereiro de 2012

Janeiro.

- Edu... O que se faz quando se quer alguém impossível de se ter?
- Nada é impossível, Clara.
- Que frase mais auto-ajuda! Já são 5h30... Por que não vamos ali no posto comprar mais cervejas?
- Pode ser.
Edu e Clarinha acabavam de fazer 18 e ela desfrutava desse momento como ninguém. Eles eram primos, nascidos com 2 dias de diferença. Desde crianças se davam bem, na transição para a adolescência, curtiam as mesmas festas, as mesmas músicas. Era Janeiro, calor em Porto Alegre, e o posto 24 horas estava sempre lá para atender aquele pessoalzinho atrás de cerveja gelada, às 5 da manhã.
- Sabe Clara, essa tua história de gostar do professor... é chato. Ele é casado, tem uma filha, a mulher tem cara de louca, é capaz até de te matar se te pegar olhando diferente pra ele! – Edu solta uma risada – Pois ééé... desiste!...
- Eu tento, meu primo, eu tento... mas o que eu posso fazer se tudo o que ele faz parece deslumbrante? E a Ana sim, ele tem uma cara de completamente dissimulada! – eles riem juntos – Mas ela é super querida, trata bem todos os alunos... E é por isso que eu tento, ela é legal.
- Então maninha, tenta um pouco mais... será tortura, mas não por completo...
Eles subiram a Dr. Barcelos como quem sobe o morro e ainda pararam embaixo de uma árvore, para conversar e bebericar um pouco mais da cerveja.
- Eu gosto daqui, sabe... Tristeza... o nome é tão bonito quanto o bairro.
- Tenho saudades de morar aqui, apesar de meu bairro também ser legal.
- Teu não se compara ao meu, né Edu!!! Olha onde tu mora, no Moinhos de Vento, aaaa, vai te catar!
- Hahaha, mas não tem clubes com vista pro Guaíba, nem toda essa melancolia que tu tens aqui. Gosto da Zona Sul, parece menos cidade... apesar da minha rua ser tranquila.
Ela deita a cabeça no ombro de Edu e cochila... uns minutos depois, ele cochila também. Tão queridinho o jeito como eles adormecem. Acordam com o barulho do primeiro Liberal passando na esquina e vão para casa.
- Onde vocês andavam? Vocês sabem que horas são?
- Sim mãe... estávamos aqui na rua, não precisava se preocupar.
- Estou indo para o serviço, filha. Tem lasanha na geladeira, depois tu e o Edu almoçam direitinho, tá?
É incrível como crescemos e as mães continuam a tratar-nos como se fossemos criancinhas... Edu riu e resmungou um “tchau, tia”, enquanto Dona Lia se retirava.
- Edu, sabe quem vai vir aqui amanhã? Ou melhor, hoje?
- Who?
- A Luíza.
- Mas ela não tá no Canadá? Hahahahahaha
- Haha, muito engraçaaaado! Tu sabes beeem onde a Luíza está, não é mesmo?
Luiza era uma amiga de Flávia, a vizinha de Clara. Edu era apaixonado por ela. Como ele mesmo dizia “não consigo resistir ao perfume que ela usa e aos sapatinhos vermelhos. Luíza me encanta!”
Clarinha dormiu no sofá e Edu em um colchão, na sala também. Acordaram com a campainha tocando, era Flávia. Edu atendeu a porta.
- Oi Eduuuuuu! Tua prima tá por aí?
- Tá sim, entra aí!
- E aí maluca! – resmungou Clara, ainda deitada.
- E aííííí! A Luíza vai chegar daqui a pouco, disse pra ela vir aqui direto.
- Tá bom... que horas são mesmo, hein?
- 14h50. – disse Edu – Shall we lunch?
- Yeeep. Let’s go!
Flávia era novinha, tinha 13 anos e falava muita besteira. Mas como era adiantada em sua escola, andava só com um pessoal mais velho. Enquanto Edu e Clara almoçavam, Flávia falava pelos cotovelos até que tocou a campainha. Edu foi correndo atender. Era ela.
- Oi Edu.
- Olá, Dorothy!
- Sempre viajando nos meus sapatinhos vermelhos... – ela solta uma risadinha e entra.
- LULUUUUUUUU – Flávia faz seu fiasco diário ao encontrar uma amiga.
- E aí maluca número 2! – diz Clara.
- Hey yo Silver! – responde Luíza, fazendo uma careta. – Quanto tempo, não é mesmo?
- Pois é guriazinha... e o Edu ainda é fissurado nos teus sapatinhos vermelhos!
Luíza era uma guria bem bonita. Cabelos não muito curtos, castanhos, aquele tom diferenciado, meio que puxando pro ruivo, mas natural e todo picotadinho. Ela tinha todo um estilo: calça jeans que ela pegou das roupas da avó, direto dos anos 50, blusinha de botão, num xadrez azul marinho com branco e, como sempre, os sapatinhos vermelhos do Mágico de Oz. Ela tinha lá seus 15 anos, mas parecia ter uns 19, tanto de rosto, como de corpo ou pela inteligência.
- Então Gasoline Girl, vamos jogar CS?
- CS não né, Summertime Cowboy!
- Flávia, acho que estamos sobrando nessa brincadeira...
- Shiiiiu, cala a boca, Clara! É capaz de ele nos convidar pra jogar CS, daí!
Enquanto Flávia e Clarinha riam e conversavam sobre qualquer coisa, Edu e Luíza ficavam falando de jogos e se apelidando com nomes de músicas, atores, filmes e bandas... era isso que Luíza gostava nele. Era isso que Edu gostava nela. Eles combinavam, eles se gostavam, todos viam. Menos Luíza.
- Gente que calooooooor! – Flávia resmunga – Por que não vamos lá pra rua?
- Lá está quente igual, Flavinha.
- Mas pelo menos tem vento.
- Tá, vamos então. – diz Luíza – Isso está com cara é de escolha da Clarinha, não é? Esperando pra ver se o Claus aparece.
- Cale a boca, Luíza. Não tem nada a ver comigo, não.
Descendo as escadas, dão de cara com Ana, a esposa do professor de Clara. Ela resmunga um “oi, boa tarde” e eles sorriem.
- Tudo bem, Clara? Pensou naquilo que te falei?
- Edu, me esquece...
Edu, Clara, Flávia e Luíza caminhavam pela Dr. Barcelos e esqueciam um pouco do calor. Andavam em direção ao Guaíba, tomando sorvete, conversando as besteiras que todo adolescente conversa. Namorados, amigos, professores, deboches, e coisa e tal. Apesar da diferença de idade, todos se davam bem.
Se Edu vai ficar com Luíza? Talvez. Nunca se sabe quando um amor leviano pode dar certo.
Se Clara consegue conquistar o professor? Obviamente não, mas daqui uns cinco anos, quem sabe?
E Flávia, um dia ela vai amadurecer e perceber o mundo como gente grande? Certas pessoas nasceram para ser a alegria que movimenta os dias monótonos de trabalho pesado.
Mas sempre há algo interessante para aprender no calor de Janeiro, em Porto Alegre.