quinta-feira, 23 de junho de 2011

Marianne - Parte II

Carlos acordou e percebeu algo estranho... Já não era mais ele quem narrava esta história. Era eu. Marianne. E eu me sentia estranha, ou sei lá, talvez um pouco diferente por ter feito tudo o que fiz. Foi muito bom ter encontrado Carlos, mas... será que eu precisava ter transado com ele? Meu Deus, onde eu estava com a cabeça? Ele tem 46 anos e eu estou prestes a fazer 18. ele poderia ser meu pai, ou bem um tio, como ele é para Rachel. E nós poderíamos ter nos dado bem sem sentir atração um pelo outro. Será?
Me levantei cedo e dei de cara com Ana na cozinha.
- Você deve ser a menina que o Seu carlos me falou. Bom dia.
- Bom dia! Rachel está aí. Você sabe que horas ela acorda?
- Essa menina é uma desviada... acorda quando quer, come quando acha que é bom. Vive esperando um tal de Lucas que nunca telefona. Está sempre no mundo da lua.
- Hum... eu já fui como ela.
- Imagino. As mulheres que o Carlos traz pra cá não são muito diferentes. Todas mais parecem suas pacientes do que amantes. Até a irmã e a sobrinha são iguais. Acho que ele nasceu para isso.
Ana era uma mulata muito bonita. Cabelos longos e cacheados, presos a uma borrachinha de cabelo azul celeste. Ela me parecia um pouco arrogante, porém sua beleza era tanta que a arrogância era indiferente. Eu me sentia envergonhada perto dela, não sei porquê.
- Você está bem?
- Estou sim. Acho que vou dormir mais um pouco. Carlos te avisou que vou ficar aqui por algum tempo?
- Disse. E disse que não sabia o que fazer com você. Se achasse bom, era pra eu te dar umas palmadas.
- Está bem - disse eu, com uma risada divertida. - Se precisar de ajuda, me chame, por favor! Não quero encomodar.
Peguei o colchão que estava atrás do guarda-roupa de Carlos e botei ao lado da cama de Rachel. Demorei um pouco para voltar a dormir. Ouvi a voz de Carlos na sala, conversando com Ana. ela soltava umas risadinhas e ele dizia coisas que eu não conseguia entender. Senti um pouco de ciúmes ao pensar nela como amante daquele com que eu havia feito sexo na noite passada. Mas como eu sabia que ele não era nada além de um bom amigo, dormi. Acordei com o meu celular tocando.
- Alô?
- Minha filha! Que bom que te encontrei! Onde você está?
- Não interessa. Mas estou bem longe de casa.
- Por que você faz isso comigo? Você sabe que eu também sinto falta de seu pai e...
- Mãe, sei que você só me ligou porque sua amiga deve ter lhe dito algo que pesou na sua consciência e porque eu sei que este horário o Gui não está em casa. Por favor mãe, eu não queria magoá-la, mas você faz o favor de me ligar sabendo que não quero ouvi-la. Pela última vez: me deixe. Quando eu for uma profissional excelente e tirar fotos incríveis, me chame para fotografar o casamento do teu filho perfeito.
Desliguei o telefone sem ouvir a resposta que ela me daria. Se é que me daria alguma resposta. Minha mãe tinha a mente vazia, fazia tudo para agradar os outros, e eu não suportava isso. Queria que ela fosse mais compreensível, inteligente e menos submissa. Ó mamãe... quem me dera se você fosse diferente.
Rachel entrou no quarto e eu estava só de camiseta. Ela perguntou o que havia acontecido, eu falei que minha mãe havia me ligado. Ela me deu um abraço e se sentou na cama. Pegou na mochila um pequeno pacote e um tubo vazio de caneta esferográfica. Me convidou para entrar no mundo dela. Eu sempre soube que havia drogas no meio disso tudo.
Cheiramos umas 20g de pó, só para esquecermos os problemas que estavam ao nosso redor. Ela era uma guriazinha bonita, porém trilhava o mesmo caminho que eu. Não dava dois anos para ela estar na casa de um estranho que a ajudou pois sentiu pena da mocinha bonitinha e transar com ele depois de contar sua história triste. Eu não queria mais aquilo pra mim e, na minha viajem, eu era Greta Garbo.
Rachel compreendia o meu feeling e isso tudo era lindo. Eu sabia que ela também escondia o seu medo em um pacotinho dentro da mochila, sempre olhando em volta para ver se a polícia não vai pará-la e levá-la para a prisão.
- E esse Lucas, quem é?
- Um cara que eu transei em troca umas gramas de pó.
- Você entrou mais cedo do que eu nessa vida, guria. Sai dela enquanto dá tempo.
- Por que você não saiu ainda?
- Porque ainda não chegou a minha vez. Mas a sua está por vir. Nunca deixe esses traficantezinhos encostarem em ti. Fui dar uma de esperta e apanhei até ficar inconsciente. Foi aí que o seu tio me achou, jogada na rua. Sério Rachel, tu és linda, tem dinheiro e pode ficar com quem tu quiser. Tem um tio maravilhoso e não é todo mundo que tem a alma igual a dele. Você pode morrer se ninguém te ajudar. Escuta o que eu estou te falando... não deixe sua vez chegar.
Ela me olhou com olhos grandes de quem ainda estava muito chapada e sorriu. Cheirou outra carreirinha. Deitou no meu colo e disse "Obrigada, Marianne. Talvez esta seja a última vez que nós duas vamos nos drogar".
Fiquei atenta, observando ela se mexer loucamente na cama, efeito da droga. Fui até a cozinha e fiz um chá. Ela bebeu na maior fissura, como se aquilo fosse deixá-la pior. Rachel era incrivelmente engraçada e Ana percebeu o que estava acontecendo.
- Marianne, você também...?
- Não diga pro Carlos, por favor. Nunca mais farei isso. Não aqui na casa dele.
Ana me olhou desconfiada e ouvia Rachel rir com um quê de preocupação. Liguei o rádio e botei Bob Dylan pra tocar. Nós duas cantamos "Like a Rolling Stone" como se o mundo fosse acabar naquele instante. Eu era mais sóbria e mais resistente do que ela. Era capaz de Carlos chegar e perceber que havíamos feito besteira.
- Olá meninas! Dá pra ouvir lá de baixo o som de Bob Dylan.
- Oi tio Carlos!!! - Rachel estava eufórica e deu um abraçado no tio. - Achei que você fosse demorar mais um tempinho.
- Saí mais cedo hoje. Estava pensando em levá-las para jantar. Você gosta de comida mexicana, Marianne?
- Gosto sim Carlos. Obrigada por tudo!
- Não precisa agradecer. Depois temos que conversar.
- Acho melhor não, Carlos. Deixe tudo como está, assim nós podemos ter nossa mente tranquila e sem receios.
Carlos me olhou pensativo e sorriu para Rachel. Ele foi tomar um banho e depois foi se arrumar. Lá pelas 20h, estavámos saindo.
Ele estava charmoso como nunca. Colocou uma calça jeans, uma camiseta social e um paletó de risca de giz. Rachel estava de vestido, preto, uma jaqueta de couro e tênis all star. Eu me sentia envergonhada por não ter roupas que prestassem, porém rachel me emprestou uma blusa, um tanto quanto decotada para meninas da idade dela e vesti uma calça jeans, normal. Se Carlos estivesse narrando, essa parte estaria de fora. Homens não se importam muito com o quê você está vestindo.
Chegando ao restaurante, tive uma surpresa muito, mas muito intrigante. Meu irmão sempre disse que tinha uma namorada e que tinha planos de casar-se com ela. Nunca imaginei que esta namorada fosse Ana. E eles estavam lá, com minha mãe e mais uma senhora que deveria ser a mãe dela. Carlos não hesitou em ir cumprimentá-la.
- Ana, que prazer em vê-la aqui!
- Oi Carlos! Não imaginava que vocês estariam vindo para o mesmo restaurante que eu! Este aqui é o meu namorado Guilherme, a mãe dele e a minha mãe. Gui, este é o meu chefe, o Seu Carlos!
- Tudo bom? Ana sempre fala muito bem de você.
- Tudo ótimo. Por que não nos juntamos? Vocês vão adorar saber a minha história! Marianne, Rachel, venham até aqui.
Olhei para Rachel e ela não entendeu. Queria dizer que não queria ir, mas não podia pensar em abrir minha boca, minha mãe reconheceria minha voz na hora. Corri para o banheiro. Rachel veio atrás de mim.
- O que foi? Por que você está assim?
- Lembra que te falei da minha mãe e do meu irmão mais velho?
- Sim, mas o que tem?
- O namorado da Ana é o meu irmão.
- Guriaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!! Não acredito! E agora? Neste instante o meu tio deve estar contando que você é moça que ele ajudou e blá blá blá. Na certa eles vão saber que é você!
- Pois é... o jeito é encarar a situação e minha mãe descobrir tudo.
Criei coragem, peguei na mão de Rachel, olhei fundo nos olhos dela e saímos do banheiro. No que eu estava chegando na mesa, algo aconteceu...

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